Sugeriram-me há uns dias que gravasse, na sala de partos, o primeiro choro do meu filho. Para poder ouvi-lo vezes sem conta, para ficar com uma recordação. Eu ainda não passei por isso, mas acredito que seja daquelas coisas impossíveis de esquecer – e, sendo assim, gravar para quê?
Faz-me alguma confusão esta necessidade que há hoje em dia de gravar tudo para mais tarde recordar. Acredito que nem se viva tão bem a situação, tal é a urgência de a captar para a posteridade. Que é feito do momento, do imediato, do fugaz, ali e agora e a sensação do nunca mais? Daquela vontade quase adolescente de aproveitar cada instante de uma coisa mágica que não volta? A tecnologia, com todas as suas vantagens, veio anular muita da magia que havia numa coisa irrepetível.
Não tiro fotografias em concertos, não gravo excertos de audio, não sinto necessidade de fotografar tudo o que de relevante me acontece. Acredito que, com isso, estou muito mais ali, naquele instante e que por isso esse momento fica muito mais guardado cá dentro, nas minhas memórias físicas e emocionais.
Lembro-me de ter ficado muito chateada quando me esqueci da máquina fotográfica na minha primeira viagem a Roma, como se ver a cidade não me chegasse e de me ter apercebido justamente disso, que a cultura “pic or it didn’t happen” nos estava a impedir de ver com olhos de ver, na obsessão pelo registo. Na semana seguinte fui a Istambul e deixei a máquina em casa de novo….
(ainda assim, fiquei tristíssima quando uns anos depois perdi todas as fotos de Nova Iorque)
Acho que ainda não disse vezes suficientes que gosto muito de ti
Nós não filmamos o parto (deus ma’livre!) e garanto-te que nunca mais esquecerei o momento em que vi o Francisco pela primeira vez, nem o primeiro choro, nem o momento em que mo trouxeram para lhe dar um beijo, ou quando o puseram junto a mim…
(não tenho por hábito filmar/fotografar tudo mas uma coisa que faço é registar, mês a mês, as principais conquistas do miúdo.)
Não costumo tirar fotografias a tudo, também. Mas hoje em dia tenho pena de não ter fotos de algumas coisas, de não ter mais fotos da minha mãe comigo, etc. E, portanto, agora penso mais nisso do que pensava.
E penso na perspectiva de fotografar/gravar na perspectiva também dos outros virem a usufruir (por exemplo, sei que existem cassestes que a minha mãe gravou comigo a falar com ela, tinha eu 2 anitos e pouco, e ando desejosa de as encontrar).
Nunca percebi para quê filmar um concerto do principio ao fim… alguém vai mesmo ver depois? Perde-se tudo. Já para não dizer que agora com o ipad bloqueiam a visão dos outros. No parto e recobro também não nos fez sentido registar. Não só é um momento impossível de esquecer, como acho que só interessa aos pais, e ambos estavam lá. Há tempo no quarto para registar o primeiro dia de vida.
No meu caso, quando trouxeram o bebé para perto de mim e do pai, ainda na sala de partos e minutos depois de nascer, a enfermeira agarrou na nossa máquina, filmou-nos aos três e tirou fotos. Fiquei contente que o tivesse feito porque estava tão abananada naquele momento que, sinceramente, não sei se me lembraria exactamente da cara do bebé se não tivesse hoje as fotos comigo. Esta foi uma situação excepcional. Apesar de adorar fotografia, também discordo desta euforia à volta de fotografar tudo o que mexe para logo a seguir escarrapachar no facebook.