Já sabíamos que ias morrer. Falámos com o teu filho, naquele discurso que detesto, cheio de eufemismos e em que os olhos as pausas o tom dizem mais que as palavras. Sabíamos que ias morrer, parte de ti já partira há muito tempo.
O teu monitor apitou todo o dia. Tinhas o coração em esforço, a tentar correr mais que a vida que te fugia, e o monitor apitava. Eram seis da tarde quando me levantei para desligar o alarme. Já sabíamos que ias morrer, que importava a quanto batia o teu coração, até que deixasse de o fazer? Aos pés da tua cama percebi logo que já lá não estavas. O pânico quase me fez correr por alguém mais crescido que eu, mas não fui. Confirmei que já não respiravas, que já nada batia dentro de ti.
Devias ter acabado de morrer. O alarme não mudou, à distância a que eu estava tudo era igual. Não sei por que me levantei naquele momento e não horas antes, o alarme tocou todo o dia. Não acredito nestas coisas.
Morreste-me. Conheci-te hoje, tinhas olhos tristes e idade para ser meu avô, mas acredito que me perdoarias o tratar-te por tu. Foste o meu primeiro morto e eu que não acredito nestas coisas acho que a tua alma roçou ao de leve na minha, quando partiste.