Monthly Archives: Setembro 2014

sonhos de domingo

Quando for grande quero ter uma cozinha como a da Helena.

a esclerose lateral amiotrófica e a indústria farmacêutica

ou porque é que o ice bucket challenge não é parvo

Eu sei que já ninguém anda a falar disto e lamento estar a chegar tarde à mesa, mas não queria deixar de dizer qualquer coisa.

Antes de prosseguir esclareço que não estou a defender ou criticar a indústria farmacêutica, estou apenas a explicar o seu funcionamento.

A indústria farmacêutica é composta, maioritariamente, por empresas privadas – ou seja, empresas que dependem de lucros próprios para subsistir. Quer isto dizer que têm de fazer dinheiro com aquilo que fabricam e vendem.
Desde que alguém dá o sim (e dinheiro) ao projecto de um novo medicamento até ao momento em que esse medicamento chega ao mercado, disponível para a população, passam, em média, 13 anos. E nem todos os projectos de medicamento chegam ao fim desta maratona – por variadas razões, muitos ficam pelo caminho. Durante esses 10 anos, o medicamento é desenvolvido, testado em diferentes populações, repetidamente e por longos períodos de tempo, sem que dê qualquer lucro. É, admitamos, um grande grande investimento por parte da empresa.
Porque reconhecemos, como sociedade, este investimento, criámos regras que permitem que a empresa que desenvolveu determinado fármaco tenha direito exclusivo à sua produção e lucro, durante os primeiros 20 anos após a sua introdução no mercado – são as leis das patentes. Após este tempo, o medicamento pode ser fabricado por outras empresas, surgindo os genéricos. De uma forma simplista, é este o processo.
Agora pensemos: se uma empresa tem pela frente 10 anos de investimento sem retorno, tem de escolher muito bem os projectos em que investe. E se só vai ter 20 anos de lucro exclusivo e se é uma empresa privada, que não recebe fundos públicos, tem de maximizar o lucro futuro – só assim consegue manter a funcionar os outros projectos em várias fases de evolução e financiar novos potenciais medicamentos.
Se me acompanharam até aqui, ponho-vos o seguinte problema: são a empresa farmacêutica e têm que escolher entre dois projectos – o projecto A é um medicamento para a hipertensão, o projecto B um medicamento para a esclerose lateral amiotrófica. Sabendo que, no mundo, há cerca de 1.000.000.000 de hipertensos e que haverá, estimando por alto, 70.000 pessoas com esclerose lateral amiotrófica, e sabendo que a esperança média de vida de um hipertenso é superior à de um doente com ELA (portanto, e de um ponto de vista puramente consumista, se um doente vive mais tempo é mais tempo que toma o medicamento), em qual investiam?

A esclerose lateral amiotrófica é uma doença terrível. Não tem cura. Tem uma esperança média de vida de 3 anos. Neste momento a única coisa que a indústria farmacêutica tem para oferecer a estes doentes é um medicamento que pode atrasar a progressão da doença e dar-lhes, no máximo, mais 6 meses de vida. A indústria farmacêutica não investe nesta área porque não compensa.
Num ano normal, a angariação de fundos para a investigação em ELA arrecadava menos de 20 milhões de dólares. Com o ice bucket challenge, no final de agosto as doações tinham ultrapassado os 100 milhões. É parvo despejar um balde de gelo pela cabeça abaixo? Talvez. Mas conseguiu, em dois meses, dar a conhecer ao mundo uma doença que pouca gente sabia existir e aumentar em 500% o dinheiro angariado para a causa. Já vi coisas mais parvas.

Numa mensagem paralela: é por isto que os governos não podem deixar de investir em ciência. Porque eles podem escolher os grupos pequenos, as doenças raras, aqueles que representam lucros mínimos ou inexistentes, para os quais é preciso perder dinheiro em busca de uma cura ou de um tratamento mais digno desse nome.

exorcista precisa-se

O meu filho tem 13 meses e o diabo no corpo. Se calhar é do número, eu nunca fui de superstições mas agora já estou por tudo. Hoje eram 10 da manhã e já não o podia ver: já tinha enfiado as duas mãos na taça da papa de iogurte e limpo o tampo da cadeira com a espécie de argamassa que aquilo é, já tinha feito três birras e já me tinha tentado bater quatro vezes, já tinha puxado as orelhas ao gato e tentado bater-lhe com um pau que desengatou do quadro de giz. Felizmente amanhã começam as aulas. As minhas!
13 meses, repito, não é dois anos que parece que é quando estas coisas deviam começar a acontecer.

infinita gratidão

Tens 13 meses. Sobes e desces do sofá com uma ligeireza de quem tem mais e a despreocupação de quem não conhece consequências. Corres atrás das pombas no parque e é difícil acreditar que só caminhas há dois meses. Tens 13 meses, tão grande e tão bebé, tanto tempo e tão nada.
E eu escrevo para não esquecer, com medo que a memória e a mudança me levem para sempre este bebé que já quase não és.
Quero lembrar sempre o fascínio e o brilho nos teus olhos quando murmuras baixinho a palavra água. A forma como danças em qualquer lado, havendo música – até no meio da rua, ao som do rádio de um carro parado. Os xi-corações e os beijos que me dás. Os teus acordares tão doces, cheios de sorrisos e mimos. A forma como dizes mamã a meio da brincadeira, como quem diz olá e se certifica que continuo ali. O sorriso, esse sorriso de dentes grandes à espreita, tão doce, tão igual ao meu.
Quero lembrar-me de ti e do pai. Do amor doce que ele tem por ti, da felicidade que sente quando deixas que ele te adormeça. De como é ainda tão surreal que tenhas sido feito por nós, do nada. E tu ao colo dele, depois do jantar, sentados a ver os carros na varanda, os teus pés pequeninos nas mãos dele.
Quero lembrar-me de tudo, das tuas conquistas e feitos, mas mais que isso quero lembrar-me de ti, dos teus contornos, das tuas expressões, do teu cheiro. É tão fácil esquecer, filho. E com as tuas mudanças tão constantes já nem me lembro bem como era o teu peso pequenino no meu colo. Não me lembro do teu choro ao nascer, mas nunca serei capaz de esquecer como era macia a tua pele, tão suave que parecia que não tocava em nada, quando te fazia festas nas bochechas. Que sorte, que sorte ter podido ser tua mãe a tempo quase inteiro, nestes 13 meses.

Queria filmar-te a toda a hora para nunca esquecer mas decido sempre que viver-te é mais importante. E espero que a memória nunca me traia completamente e nunca te leve todo de mim.