Quase todos os dias me cruzo com alguma coisa da qual tomo nota mental para um dia te mostrar.
Mal posso esperar por te levar ao nosso paraíso, já não tão particular como quando o conheci, mas ainda assim nosso e feliz. Sei que vais gostar tanto da água fria do rio que até vais converter o friorento do teu pai. E à noite vamos deitar-nos os três cá fora, aconchegados na relva, a ver todas as estrelas que a cidade esconde. Ou a fazer desenhos de luz com pauzinhos em brasa. Vais aprender que o guisado da serra, feito pelo avô, sabe como em nenhum outro lado, que as amoras se apanham nas silvas mais escondidas, o sabor da água da fonte no cântaro de barro.
Quero contar-te tantas histórias, ler-te tantos livros, fazer crescer em ti esta paixão das páginas cheias de letras. Contar-te em segredo, daqui a muitos anos, que os Maias são maravilhosos, passar-tos para a mão antes de seres obrigado a lê-los e esperar para ver se concordas. Ensinar-te a gostar da Sophia, do Eugénio, do Pina com quem a mãe andou um dia a atirar caroços de azeitona a cabeças importantes.
Vou ensinar-te Abril como mo ensinaram e o Zeca e o Sérgio e o Adriano e o Fausto e o Zé Mário vão ser todos companheiros teus, como foram meus fora de época – porque é sempre época de acreditar num mundo melhor. Vamos comprar os cravos juntos e engolir a Grândola à meia-noite, todos os anos como se lá tivéssemos estado.
Um dia teremos as nossas histórias estranhas, como aquela que contava a minha mãe, de me ter apanhado a mim e ao meu pai, de rabo para o ar no chão da sala, eu com 4 ou 5 anos e ele a explicar-me a segunda guerra.
Vou maravilhar-me todos os dias por teres o melhor pai do mundo, que te vai ensinar aquelas coisas que eu não sei, as regras do fora de jogo, como é que se defende uma bola, como esconder joelhos esfolados de uma mãe preocupada. Espero que sejas como ele, que acorda sempre bem disposto, chega a casa todos os dias com um sorriso como se nós fôssemos a melhor parte do dia e tem sempre um truque na manga para nos fazer rir. O teu pai, que mal pode esperar que chegues e te dá tantos beijos antes de irmos dormir.
Vou ensinar-te a avó que não tiveste. Um dia, daqui a muitos, muitos anos, vou contar-te a razão de ela já não estar aqui. É possível que chore quando o fizer, mas não te preocupes. São só as saudades que ainda não vão caber todas cá dentro e me fogem pelos olhos da cor dos dela.
É grande o mundo que te espera cá fora, filho. Cheio de coisas para descobrir, cheio de amor incondicional, cheio de braços para te ajudar a crescer. Por isso vem quando quiseres. Mas não demores muito, já estamos todos cheios de vontade de te conhecer.