Category Archives: pequenos prazeres inúteis

meu querido ano todo

Gosto de morar numa cidade pequena. Gosto que o arquitecto com quem estou a pensar uma casa tenha sido aluno da minha mãe quando ela estava grávida de mim. Que a irmã dele tenha sido minha professora e que o pai tenha cantado comigo no coro. Gosto que um dos melhores amigos do meu filho seja filho de uma pessoa com quem brinquei quanto eu tinha a idade deles e neto de uma amiga da minha mãe, minha professora de português. Gosto de encontrar na rua uma antiga professora, afamada solteirona que morava com os pais já entrada em anos e de a ver, finalmente, de braço dado com alguém e um ar feliz. Gosto de conhecer quem me vende os legumes, a fruta e o peixe, como a minha mãe conhecia quando eu era pequena. Gosto que quem me vende a fruta e os legumes seja minha vizinha, a quem posso ligar para me trazer as coisas para cima, quando não consigo ir ao mercado. 

Claro que tudo se sabe e privacidade é uma utopia. Mas prefiro isto, estes cruzamentos entre as nossas vidas nas voltas que elas dão ao anonimato frio e sozinho das grandes cidades. 

copo muito mais que meio cheio

Pão alentejano e azeitonas. Barrigadas de figos acabados de colher. Esmagada de grão e escabeche de cenoura. Deslizar na água fresca num dia muito quente. Grilos, ventoinha e nada mais. Silêncio. E ele a dormir aninhado em mim.

pequenos prazeres inúteis

Eu leio enquanto ele dorme. Tu chegas com os mirtilos e, em bicos de pés, trazes-me uma taça cheia. Grandes e doces, são os últimos do ano. Sais sem fazer barulho, o sono dele é frágil e precioso. Lembro-me que te trouxe um croissant da padaria e mando-te uma mensagem, para não me mexer e não o acordar. Trocamos sorrisos, reais e virtuais, o amor nos pequenos mimos que nos damos.

a sobrevalorização do perene

Sugeriram-me há uns dias que gravasse, na sala de partos, o primeiro choro do meu filho. Para poder ouvi-lo vezes sem conta, para ficar com uma recordação. Eu ainda não passei por isso, mas acredito que seja daquelas coisas impossíveis de esquecer – e, sendo assim, gravar para quê?

Faz-me alguma confusão esta necessidade que há hoje em dia de gravar tudo para mais tarde recordar. Acredito que nem se viva tão bem a situação, tal é a urgência de a captar para a posteridade.  Que é feito do momento, do imediato, do fugaz, ali e agora e a sensação do nunca mais? Daquela vontade quase adolescente de aproveitar cada instante de uma coisa mágica que não volta? A tecnologia, com todas as suas vantagens, veio anular muita da magia que havia numa coisa irrepetível.

Não tiro fotografias em concertos, não gravo excertos de audio, não sinto necessidade de fotografar tudo o que de relevante me acontece. Acredito que, com isso, estou muito mais ali, naquele instante e que por isso esse momento fica muito mais guardado cá dentro, nas minhas memórias físicas e emocionais.

pequenos prazeres inúteis

Trabalhos sem fim à vista e o estudo a atrasar. E o consolo de um leite com chocolate directamente saído do frigorífico, com palhinha e tudo.

uma por dia nem sabe o bem que lhe fazia ou sabia

I thought I’d just embrace the silliness. It’s good for the heart, you know?

Alan Shore, Boston Legal

pequenos prazeres inúteis

Saber responder sem hesitar quando nas palavras cruzadas aparece “unidade monetária do Cambodja”.

São João, não é plágio, é homenagem!

I picked off the top of a blueberry muffin sitting on the counter. I waited for my mother to yell at me, to say Emily, are you that narcissistic to think you are the only one in the house who enjoys the tops of muffins, for Christ’s sake, nobody likes the bottom, we only eat it out of obligation to the rest of the muffin! 

The adults, Alison Espach