Category Archives: esta coisa de ser médica

dress for the job you want

Quando me fui inscrever na ordem dos médicos disseram-me que podia escolher o nome profissional que quisesse. Tive que me conter para não escolher Mariana mother of dragons disease slayer and yes sometimes it is lupus.

santo antónio aos peixes

Passar a tarde a estudar doenças respiratórias ocupacionais e chegar a casa da tia e ver na obra da cozinha um homem a cortar azulejo sem máscara, por opção.

deprimente, uma nova definição 

Já conhecer os funcionários e frequentadores habituais da biblioteca pelo som dos passos.

o meu primeiro morto

Já sabíamos que ias morrer. Falámos com o teu filho, naquele discurso que detesto, cheio de eufemismos e em que os olhos as pausas o tom dizem mais que as palavras. Sabíamos que ias morrer, parte de ti já partira há muito tempo.

O teu monitor apitou todo o dia. Tinhas o coração em esforço, a tentar correr mais que a vida que te fugia, e o monitor apitava. Eram seis da tarde quando me levantei para desligar o alarme. Já sabíamos que ias morrer, que importava a quanto batia o teu coração, até que deixasse de o fazer? Aos pés da tua cama percebi logo que já lá não estavas. O pânico quase me fez correr por alguém mais crescido que eu, mas não fui. Confirmei que já não respiravas, que já nada batia dentro de ti.

Devias ter acabado de morrer. O alarme não mudou, à distância a que eu estava tudo era igual. Não sei por que me levantei naquele momento e não horas antes, o alarme tocou todo o dia. Não acredito nestas coisas.

Morreste-me. Conheci-te hoje, tinhas olhos tristes e idade para ser meu avô, mas acredito que me perdoarias o tratar-te por tu. Foste o meu primeiro morto e eu que não acredito nestas coisas acho que a tua alma roçou ao de leve na minha, quando partiste.

o iluminismo da farmacologia rectal 

Andam pela internet uns artigos de profissionais de saúde, escritos por gente aparentemente mais iluminada que o restante mundo, a ensinar às pessoas a forma correcta de inserir um supositório (no caso fala-se de crianças, mas um supositório é um supositório e um rabo é um rabo, pelo que deduzo que  considerem os seus ensinamentos de aplicação universal (pun intended)). E dizem, então, que um supositório se insere correctamente pela ponta romba. 

Ora, vamos ignorar o quão desconfortável deve ser para o esfíncter. Acham mesmo credível que as farmacêuticas tenham desenhado uma coisa com um determinado formato, de utilização (aparentemente) intuitiva, pretendendo na verdade que o dito se insira ao contrário? E que o façam à má fé, sem instruções explícitas na caixa ou na bula? E que como tal nos deixem dependentes de meia dúzia de iluminados, privilegiados detentores de sabedoria inacessível ao comum dos mortais, para nos explicarem como inserir um supositório?

A questão tomou tão épicas proporções que há, inclusivamente, estudos científicos a aprofundar a questão da melhor forma de inserir um supositório. Para os que não querem ler o artigo do link acima, eu resumo: parece que a polémica surgiu após publicação na Lancet (porque é que é sempre a Lancet?…) de um estudo, não corroborado nem verificado a posteriori, que defendia a introdução inversa como mais correcta. E puft, espalhou-se o mito urbano, por médicos, enfermeiros e professores universitários. 

E o espírito crítico? Ninguém pensa: espera, isto é estúpido… Se calhar vou ler mais umas coisas sobre o assunto antes de o integrar e disseminar como verdade indiscutível. E isto acontece tantas vezes na área da saúde que é assustador.

Pratos limpos: um supositório insere-se como o foguetão que é, ponta afiada primeiro. Dizem os estudos, dizem os fabricantes, diz o bom senso. No vosso rabo façam como quiserem, mas por favor não sujeitem as vossas crianças ao disparate. 

o iluminismo da farmacologia rectal 

Andam pela internet uns artigos de profissionais de saúde, escritos por gente aparentemente mais iluminada que o restante mundo, a ensinar às pessoas a forma correcta de inserir um supositório (no caso fala-se de crianças, mas um supositório é um supositório e um rabo é um rabo, pelo que deduzo que  considerem os seus ensinamentos de aplicação universal (pun intended)). E dizem, então, que um supositório se insere correctamente pela ponta romba. 

Ora, vamos ignorar o quão desconfortável deve ser para o esfíncter. Acham mesmo credível que as farmacêuticas tenham desenhado uma coisa com um determinado formato, de utilização (aparentemente) intuitiva, pretendendo na verdade que o dito se insira ao contrário? E que o façam à má fé, sem instruções explícitas na caixa ou na bula? E que como tal nos deixem dependentes de meia dúzia de iluminados, privilegiados detentores de sabedoria inacessível ao comum dos mortais, para nos explicarem como inserir um supositório?

A questão tomou tão épicas proporções que há, inclusivamente, estudos científicos a aprofundar a questão da melhor forma de inserir um supositório. Para os que não querem ler o artigo do link acima, eu resumo: parece que a polémica surgiu após publicação na Lancet (porque é que é sempre a Lancet?…) de um estudo, não corroborado nem verificado a posteriori, que defendia a introdução inversa como mais correcta. E puft, espalhou-se o mito urbano, por médicos, enfermeiros e professores universitários. 

E o espírito crítico? Ninguém pensa: espera, isto é estúpido… Se calhar vou ler mais umas coisas sobre o assunto antes de o integrar e disseminar como verdade indiscutível. E isto acontece tantas vezes na área da saúde que é assustador.

Pratos limpos: um supositório insere-se como o foguetão que é, ponta afiada primeiro. Dizem os estudos, dizem os fabricantes, diz o bom senso. No vosso rabo façam como quiserem, mas por favorbnão sujeitem as vossas crianças ao disparate. 

gente nas mãos 

Não sei o que fazes nem como te chamas. Estavas ali aberto, voluntariamente entregue às mãos que te operam. Vi-te o sangue as entranhas o âmago onde, quem sabe, morará a alma. Quase em cima da tua cabeça espreitava para dentro de ti, sem me ocorrer que és mais que aquela carne cortada. Desviei o olhar, ajustei o adesivo que te fechava as pálpebras e senti-me a invadir-te. Eu, que não tinha as mãos dentro de ti, que não te cortava a carne nem te sentia o sangue quente. Que só te ajustei ao de leve o adesivo. Às vezes são as coisas mais pequenas que nos batem com mais força.