Category Archives: uma questão de princípios

explicar o sns

Vamos imaginar que o vosso filho fazia anos e levava um bolo para a escola, para repartir pelos colegas. Para chegar para todos, tinha de cortar fatias fininhas e se calhar havia alguns meninos que ficavam menos saciados.

Isto é o SNS explicado de forma simplista e um bocado linear. Mas o SNS é assim. Para ser universal e poder dar, potencialmente, os mesmos tratamentos a toda a gente, não pode dar os tratamentos mais caros. É por isso que os fármacos de quimioterapia usados em Portugal não são os de última linha – se fossem, só podíamos tratar uma fracção dos doentes que tratamos agora. São fármacos bons, com uma taxa de eficácia elevada, mas não são os topo de gama.
Esta é a realidade do nosso SNS. O mal é ser uma realidade escondida, encapotada, e não admitida frontalmente. Não explicada às pessoas, de forma clara e simples mas sobretudo honesta.
É isto que depois dá origem a polémicas e mal-entendidos. Admitindo que o primeiro ministro não escolheu bem as palavras e não se soube explicar, o que ele disse é verdade e é verdade todos os dias: não salvamos e não podemos salvar vidas a qualquer custo. Porque para disponibilizar um tratamento para uns temos de ser capazes de, se necessário, o disponibilizar para todos. É isto a igualdade e universalidade de acesso aos cuidados e é um dos custos necessários de um sistema gratuito.

just a spoon full of sugar helps the medicine go down

Eu gosto e admiro e acho que são muito precisas as pessoas que nunca desistem de tentar mudar o mundo. Até faço por ser uma dessas pessoas, na minha escala e insignificância, e acredito que, mesmo não querendo ser chefe de nada nem mandar em ninguém, um dia poderei fazê-lo porque é de dentro que as coisas podem mesmo mudar.

Mas confesso que cada vez tenho menos paciência para os utópicos encarteirados, aqueles que acham que temos de mudar tudo a todo o custo, que vestem a camisola em todas as frentes e que são de tal forma cegos que acham que é preferível ensinar a utopia e a necessidade de mudança do que dividir o tempo entre esse lado e o lado real da moeda. O mundo devia ser mais justo e devíamos todos fazer mais por isso? Completamente de acordo. Esse mundo existirá num futuro próximo, tão perto que podemos dar-nos ao luxo de não ensinar aos mais novos que a injustiça e a frustração existem e, ao fazê-lo, ajudá-los a adquirir ou construir ferramentas para lidar com isso? Não. O mundo nunca será completamente justo ou agradável na totalidade do tempo para todos os que cá moramos. Nunca. Limitarmo-nos a ensinar que devemos lutar para que seja mais próximo desse ideal é criar gerações desajustadas, mal preparadas para o que terão de enfrentar e que ficarão inevitavelmente congeladas quando as coisas não lhes correrem como planeado, por não terem capacidade para lidar com isso.

Como em tudo, o segredo está no equilíbrio. Há que formar gente inconformada o suficiente para desejar e lutar por um mundo melhor, mas suficientemente preparada para viver no mundo que temos hoje e que não é, tantas vezes, o mais simpático. E isto não quer dizer gente conformada ou conformista – há uma grande, grande diferença. E são os mais preparados os que conseguem levantar-se mais vezes para continuar a lutar por aquilo em que acreditam.

não deitemos fora o bebé que tem fome com a lama do banho

Já que por todo o lado se fazem declarações de intenções, fica a minha: eu vou continuar a contribuir para o Banco Alimentar.

Já trabalhei de perto com instituições que o Banco ajuda e de mais perto ainda com famílias cuja alimentação dependia dessa ajuda e sei que funciona e sei como é fundamental. Estou-me bem a borrifar para a agenda política, social ou telefónica de quem o dirige. Até porque se o critério é não ser dirigido por alguém com uma agenda de qualquer tipo, nunca mais damos nada a ninguém. E se ser cretino pagasse imposto, Portugal tinha os cofres cheios.